Corpo-Cidade
Imagem: Society of Beaux-Arts Architects
Em uma relação contemporânea onde limites e
distâncias são dissolvidos no meio digital, abrir o diálogo entre corpo e
cidade mostra-se inevitável, uma vez que a história é feita sob a atuação do
corpo no espaço. O movimento realizado pelo corpo no espaço marca sua passada,
gerando assim uma ‘’corpografia’’, onde ambos são afetados, sendo o espaço
criado a partir do corpo e corpo marcado no espaço. Dessa forma a autora
Jacques [2008] apresenta a corpografia urbana como:
"um
tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja, a memória urbana
inscrita no corpo, o registro de sua experiência da cidade, uma espécie de
grafia urbana, da própria cidade vivida, que fica inscrita mas também configura
o corpo de quem a experimenta.’’ [BRITTO; JACQUES, 2009]
Carregar o registro de uma experiência do corpo, se
apresenta ainda como uma característica única do ser humano, poder compartilhar
tal registro nos permite criar situações as quais operam em paralelo à lógica
de consumo, quando não há tal ocorrência, Jacques [2008] define que a
redução da ação urbana, ou seja, o empobrecimento da experiência urbana pelo
espetáculo, leva a um empobrecimento da corporeidade, os espaços urbanos
tornam-se simples cenários, sem corpo, espaços desencarnados, o que incita à
reflexão urgente sobre as atuais relações entre urbanismo e corpo, entre o
corpo urbano e o corpo do cidadão.
Estar
presente no espaço público nos impõe na atualidade um papel de consumo, visto
que estes espaços estão sendo cada vez mais privatizados. Desta forma, pensar
relações entre urbanismo e o corpo nos remete também a possibilidade de
considerar a aplicação do que os Situacionistas [1959] viriam a chamar de Urbanismo Unitário, o qual se
caracteriza como ‘’teoria do emprego conjunto de artes e técnicas que concorrem
para a construção integral de um ambiente em ligação dinâmica com experiências
de comportamento’’. De fato, uma alternativa a homogeneização das cidades,
vindo celebrar situações criadas fora da lógica de mercado, uma vez que o foco
não se trata em ganho de tempo produtivo, mas na conquista de espaço.
Para o
urbanista italiano Fracesco Careri [2013] ‘’quem perde tempo ganha espaço’’,
não no sentido de posse de propriedade, mas em uma questão de referência
espacial, indo na contramão de uma ideia produtiva funcional e eficiente,
demonstra a importância de vaguear na cidade e permitir que ocorra o
espontâneo.
A
relação entre corpo e cidade apresenta uma série de fluxos que condicionam o
corpo ao consumo, tendo o espetáculo urbano como principal causador. As micro
resistências apresentam-se neste cenário como uma janela de respiro e
alternativa de fluxo a ser considerado, de forma a propor situações que ocupem
áreas públicas ociosas e subvertam a lógica de uso, favorecendo ao fracasso do
espetáculo do medo e da insegurança pública.
Autor do verbete: Fernando Mathias
Autor do verbete: Fernando Mathias
REFERÊNCIAS
BRITTO,
Fabiana Dultra, JACQUES, Paola Berenstein, Corpocidade: Arte enquanto
Micro-Resistência Urbana, Fractal: Revista de Psicologia, v. 21 – n. 2, p.
337-350, Maio/Ago. 2009.
CARERI, F. WALKSCAPES, o caminhar como prática estética. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2013.
CARERI, F. WALKSCAPES, o caminhar como prática estética. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2013.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997 [1967], 237p.
DEBORD,
Guy. A Teoria da Deriva. Texto
originalmente publicado no n° 2 da Internacional
Situacionista em dezembro de 1958. In: JACQUES, Paola B. (org.) Apologia da
Deriva: Escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2003.