Sociedade do Desempenho

Cansaço. Autor Rousseau, Henri. The sleeping gypsy, 1897
A sociedade contemporânea, segundo o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han
em seu livro Sociedade do Cansaço, não é mais a sociedade disciplinar de
Foucault. As dinâmicas da sociedade não se entendem mais pela rigidez do muros,
presídios, asilos e fábricas. Tampouco a sociedade contemporânea compreende-se
nas definições da sociedade de controle descritas por Deleuze. Para Han, o
conceito de sociedade do controle “contém sempre muita negatividade”. Está
nessa negatividade a principal diferença da sociedade do desempenho para as
demais.
A sociedade
disciplinar é uma sociedade da negatividade. É determinada pela negatividade da
proibição. O verbo modal negativo que a domina é o não-ter-o-direito. Também ao
dever inere uma negatividade, a negatividade da coerção. A sociedade de
desempenho vai se desvinculando cada vez mais da negatividade. Justamente a
desregulamentação crescente vai abolindo-a. O poder ilimitado é o verbo modal
positivo da sociedade de desempenho. [HAN, Byung-Chul, 2015, p. 24].
Oposta a proibição, a sociedade do desempenho estimula o projeto, a
livre iniciativa e a motivação. A sociedade de academias, crossfits,
yogas, coaches, bancos e shopping centers não tem a intenção de te fazer
sentir menor e pior, pelo contrário, o indivíduo na sociedade do desempenho é
"empresário de si mesmo". A ele é inserida a ideia de que seu sucesso
depende exclusivamente de si e, por isso, ele, dicotomizado entre empresário e
empregado, se expõe a rotinas fatigantes. A máxima de "ser sua melhor
versão" impera. Ser o melhor funcionário, trabalhar em projetos paralelos,
especializações, treinar o corpo [mesmo que se treine para um competição
que nunca chega] definem o cidadão da sociedade do desempenho.
A sociedade
disciplinar ainda está dominada pelo não. Sua negatividade gera loucos e
delinquentes. A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e
fracassados. [HAN, Byung-Chul, 2015, p. 25].
Se em sociedades antigas, o motivo do fracasso e da derrota era imposto
a figura do outro [o inimigo, o dono da fábrica, o chefe], numa sociedade onde
as possibilidades são inúmeras, basta se esforçar; onde o indivíduo é o “senhor
do seu corpo”; onde o indivíduo é “empresário de si mesmo” a responsabilidade
da derrota e do fracasso é sempre própria e nunca de outrem. A somatória de
rotinas estafantes [causada pela vontade de ser melhor e dar upgrades] e
fracassos auto-infligidos geram frustração, auto-cobrança excessiva e desgaste.
A positividade da nova sociedade portanto gera apenas autoagressividade.
Como consequência da dinâmica desgastante e frustrante da sociedade do
desempenho, o indivíduo colapsa.
A
coação de desempenho força-o [o sujeito narcísico de desempenho] a produzir
cada vez mais. Assim, jamais alcança um ponto de repouso da gratificação. Vive
constantemente num sentimento de carência e de culpa. E visto que, em última
instância, está concorrendo consigo mesmo, procura superar a si mesmo até
sucumbir. Sofre um colapso psíquico, que se chama burnout [esgotamento]. O
sujeito de desempenho se realiza na morte. Realizar-se e autodestruir-se, aqui,
coincidem. [CORBANEZI, 2018].
Autor do verbete: João Vitor Erlacher de Figueiredo
REFERÊNCIAS
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço.
Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015. 80 p.
CORBANEZI, Elton. Sociedade do cansaço. Tempo soc., São
Paulo , v. 30, n. 3, p. 335-342, Dec. 2018 .
Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702018000300335&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 13 de Julho 2019.