Corpos Dóceis e o exercício de dominação na Idade Moderna
Gif de cenas do vídeoclipe de Another Brick in the Wall, Pink Floyd.
[...]
é necessário que tenham medo; mas também porque devem ser testemunhas e
garantias da punição, e porque até certo ponto devem tomar parte nela. Ser testemunha
é um direito que eles têm e reivindicam: um suplício escondido é um suplício de
privilegiado. [FOUCAULT, 2014, p.59]
Com o
tempo, e principalmente a partir da metade do século XVIII, o corpo passa a ser
considerado um importante instrumento de produção, e por isso, as violentas
punições sobre ele deixam de ser impostas e os corpos passam a ser tratados de
outras maneiras, passam a ser considerados úteis e passíveis de adestramento.
Sob
essa perspectiva o autor destaca uma característica fundamental para o funcionamento
das sociedades disciplinares, os corpos dóceis. Relação, a qual não pode ser
considerada novidade, pois, ainda de acordo com o autor, já no século XVII era reconhecida
a figura do soldado como representativo de obediência e força, com posturas
físicas e comportamentais determinadas. No decorrer do século XVIII o soldado
passa a ser "fabricado", gradualmente são corrigidas posturas e
intensificadas as coerções, para que o domínio sobre o corpo o percorra por
completo, tornando-o disponível sempre que necessário através do automatismo
das práticas.
O
homem máquina de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e
uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de
'docilidade' que une ao corpo analisável ao corpo manipulável. É dócil um corpo
que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e
aperfeiçoado. [FOUCAULT, 2014, p.134]
Foucault [2014] afirma que os corpos dóceis passam a ser submetidos a técnicas cada vez
mais intensificadas às anteriormente praticadas. Dessas técnicas destaca-se em
primeiro lugar a escala do controle, a qual está associada a capacidade de
exercer coerções constantes, transformando o corpo e o mantendo no nível de
mecânica. Posteriormente o objeto de controle, que torna mais relevante o
exercício que o resultado, "a coerção ininterrupta, constante, [...] se
exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o
espaço e o movimento". Tais métodos promovem rigoroso controle sobre o corpo,
impondo relação de "docilidade-utilidade", podendo ser denominada
também como "disciplina".
O
momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo
humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar
sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna
tanto mais obediente quanto mais útil, e inversamente. Forma-se então uma
política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação
calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. [FOUCAULT, 2014, p.135]
É
concebida a "anatomia política", em que os corpos adentram a uma
maquinaria de poder, que estabelece não somente o domínio sobre o corpo dos
outros, mas define como, quando e através de quais ferramentas e técnicas devem
fazer o que se quer. Assim, quanto mais obediente e útil, mais dócil,
possibilitando a dominação dos corpos individuais.
Com o
início da idade moderna as instituições como escolas, quarteis, fábricas e
hospitais deixam de ter caráter de punições apenas corpóreas e passam a
apresentar a capacidade de modelar condutas, colaborando assim, para a criação da normatização dos corpos dóceis. Foucault ressalta a semelhança arquitetônica entre esses
equipamentos, que apresentam predominantemente o arquétipo de panóptico, o qual
manifesta como principal característica através de elementos construtivos, a
constante observação. Esse arquétipo é internalizado e naturalizado na sociedade e
nas relações sociais, beneficiando assim as diversas formas de produção. Esse
novo emprego da administração dos corpos auxilia na constituição da docilidade,
que por sua vez torna os corpos produtivos. Importante atributo para o
exercício de governar e produzir na Idade moderna.
Autora do verbete: Marina Coelho de Souza
Autora do verbete: Marina Coelho de Souza
REFERÊNCIAS
FOUCAULT,
Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 42. Ed. Petrópolis: Vozes,
2014.